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E se a próxima revolução na medicina não vier do cérebro, mas sim do intestino?
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Por Dr. Deivis O. Guimarães* zjo

O papel invisível dos probióticos inteligentes na saúde mental

A medicina moderna está ando por uma transformação silenciosa. Por décadas, associamos o tratamento de distúrbios mentais exclusivamente ao uso de medicamentos que atuam diretamente no cérebro, mas um novo campo de pesquisa tem revelado que talvez estejamos olhando na direção errada, ou pelo menos, de forma incompleta. Uma quantidade crescente de evidências científicas aponta para o intestino como peça-chave na regulação emocional, comportamental e cognitiva do ser humano.

Esse entendimento está profundamente ligado ao conceito do eixo intestino-cérebro, uma via de comunicação complexa e bidirecional entre o sistema digestivo e o sistema nervoso central. Esse eixo envolve o sistema imunológico, o nervo vago, hormônios, neurotransmissores e talvez o mais fascinante, a própria microbiota intestinal. O que está sendo descoberto é que trilhões de microrganismos que vivem em nosso intestino são capazes de enviar sinais bioquímicos que influenciam diretamente nosso estado mental.

Transtornos como depressão, ansiedade, insônia e até o autismo parecem estar associados, em muitos casos, a desequilíbrios nessa comunidade microbiana, condição conhecida como disbiose intestinal, e ao restabelecer o equilíbrio dessa flora, com o uso de probióticos específicos e alimentação funcional, cientistas têm observado resultados surpreendentes na saúde mental.

A microbiota deixou de ser um coadjuvante na saúde humana, e hoje, ela é protagonista. Neste contexto, surge o conceito de probióticos inteligentes, ou seja, cepas selecionadas de bactérias benéficas, muitas vezes combinadas com nutrientes e envoltas em estruturas nanotecnológicas que garantem sua liberação controlada e eficaz. Estamos diante de um novo paradigma, onde a saúde mental pode ser tratada, e até prevenida, a partir do intestino.

Você sabia que o intestino produz quase toda a serotonina do corpo?

Se você ainda acredita que o cérebro é o único responsável pela produção de neurotransmissores como a serotonina, prepare-se para se surpreender. Estima-se que mais de 90% da serotonina, neurotransmissor associado à sensação de bem-estar, regulação do humor, sono e apetite, seja produzida no intestino (YANO et al., 2015), isso mesmo, seu intestino é, na prática, um dos seus principais centros de regulação emocional.

Essa produção é altamente dependente da saúde da sua microbiota, e diversas bactérias intestinais participam da síntese e liberação de serotonina, seja diretamente, seja por meio da produção de metabólitos que estimulam as células enteroendócrinas a produzir o neurotransmissor, ou seja, manter uma flora intestinal equilibrada pode ser decisivo para manter o equilíbrio emocional.

Esse dado transforma completamente a forma como compreendemos doenças como depressão, transtorno bipolar, ansiedade generalizada e até alterações de humor em crianças. Se o intestino é o maior produtor de serotonina do corpo, talvez ele deva ser tratado com o mesmo nível de atenção que dedicamos ao cérebro, e mais, talvez ele deva ser o ponto de partida terapêutico.

Esse é o pano de fundo que sustenta a ascensão dos chamados psicobióticos, uma nova classe de probióticos com capacidade comprovada de impactar a função cerebral por meio do eixo intestino-cérebro (DINAN et al., 2013). Eles não apenas equilibram a microbiota, mas modulam o comportamento e a neuroquímica cerebral, e o mais promissor, tudo isso sem os efeitos colaterais típicos de medicamentos tradicionais.

Probióticos que mexem com o cérebro: ficção ou realidade?

Durante muito tempo, a ideia de que bactérias pudessem “falar com o cérebro” parecia algo fantasioso, um roteiro para ficção científica, no entanto, nos últimos anos, essa hipótese foi substituída por uma base sólida de estudos. Pesquisas em modelos animais e humanos têm demonstrado que determinadas cepas bacterianas influenciam diretamente o comportamento, o humor e até a cognição.

Em modelos murinos, por exemplo, camundongos que receberam Lactobacillus rhamnosus apresentaram alterações significativas em receptores do neurotransmissor GABA, além de redução de comportamentos de ansiedade (BRAVO et al., 2011). Em humanos, cepas como Bifidobacterium longum foram associadas a melhoras no humor, maior resiliência ao estresse e até redução de marcadores inflamatórios (MCCABE et al., 2020).

O mais curioso é que esses efeitos não se limitam ao intestino, eles envolvem alterações reais na bioquímica cerebral. Os psicobióticos modulam o eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal), reduzem a liberação de cortisol e regulam citocinas inflamatórias, todos esses fatores estão diretamente ligados a transtornos como depressão e fadiga crônica.

Essa nova fronteira da ciência não apenas confirma o impacto do intestino sobre o cérebro, mas também abre portas para o desenvolvimento de tratamentos não farmacológicos mais seguros, naturais e personalizados. Estamos falando de uma biomedicina do futuro, mas baseada em algo tão antigo quanto essencial: os microrganismos que nos habitam.

Como a nanotecnologia está revolucionando os suplementos

Apesar dos avanços promissores com psicobióticos, existe um desafio crucial: garantir que essas bactérias cheguem vivas e em número suficiente ao intestino, pois sabemos que o ambiente gástrico é extremamente ácido e hostil, capaz de destruir a maioria dos microrganismos antes que eles tenham a chance de agir, e é aqui que a nanotecnologia tem feito toda a diferença.

Ao microencapsular os probióticos com partículas protetoras de origem natural (como alginato, lipossomas ou polímeros biodegradáveis), é possível garantir que eles resistam ao suco gástrico e sejam liberados apenas no intestino, e esse tipo de entrega direcionada potencializa o efeito terapêutico, além de permitir que a dose necessária seja reduzida, aumenta a tolerabilidade e adesão ao tratamento (KRASNOW; RAO, 2023).

Além disso, essas microcápsulas podem ser enriquecidas com compostos bioativos, como as vitaminas do complexo B, zinco e magnésio, que atuam em sinergia com os probióticos, e a combinação de cepas com nutrientes funciona como um “combo funcional” com capacidade de regenerar o intestino, modular o sistema imunológico e promover o equilíbrio neuroquímico.

Essa estratégia vem sendo chamada de suplementação simbiótica de última geração, e tem atraído o interesse de pesquisadores e empresas ao redor do mundo, e é um caminho promissor para transformar o conceito de “tomar um suplemento” em algo muito mais próximo de uma intervenção terapêutica de precisão.

Resultados que impressionam: o caso do autismo e do estresse

Talvez uma das áreas mais sensíveis e mais impactadas por essa nova abordagem simbiótica seja o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Crianças com TEA frequentemente apresentam disbiose intestinal, constipação, e distúrbios do sono, e por isso não é por acaso que estudos vêm investigando como a modulação da microbiota pode influenciar seus comportamentos adaptativos e habilidades sociais.

Um dos maiores estudos randomizado, duplo cego com placebo controlado do mundo no segmento, foi conduzido pela GOn1 Biotech, e demonstrou que o uso de um mix probiótico encapsulado com nanotecnologia, por 90 dias, resultou em melhoras estatisticamente significativas na melhoria gastrointestinal, e em áreas como comunicação, rotina, interação social e comportamento adaptativo (Guimarães et al, 2024), e esses dados foram coletados por meio de pesquisa estrutura com os pais, testes aplicados por neuropsicólogos, avaliação pedagógica por professores da educação especial, e também por avaliações clínicas padronizadas e biomarcadores laboratoriais.

Em paralelo, outros estudos realizados com adultos demonstraram que o uso contínuo de Bifidobacterium breve reduziu os níveis de cortisol, o hormônio do estresse, e melhorou consideravelmente a qualidade do sono, mesmo em pacientes com histórico de insônia crônica (HUANG et al., 2023).

Esses achados não apenas validam a ação dos psicobióticos em diferentes faixas etárias, como também reforçam a necessidade de olharmos para a microbiota intestinal como um órgão funcional dinâmico, com impacto direto sobre a saúde mental e emocional. A ideia de que um tratamento natural, não invasivo e sem efeitos colaterais possa aliviar sintomas tão debilitantes é, por si só, revolucionária.

O futuro: tratamentos sob medida com base na sua microbiota

A próxima etapa dessa revolução já está em curso, que é personalizar os tratamentos com base no perfil individual da microbiota intestinal, e com o avanço da bioinformática e da inteligência artificial, já é possível mapear as bactérias presentes em cada indivíduo e, a partir disso, formular suplementos probióticos sob medida.

Pesquisadores estão desenvolvendo probióticos geneticamente modificados capazes de produzir neurotransmissores diretamente no intestino, de forma controlada e contínua (HOOPER et al., 2022). Outros estudos estão criando “biossensores intestinais” que liberam compostos ativos apenas quando detectam alterações no ambiente intestinal, como picos de estresse ou disbiose.

O futuro da saúde mental pode incluir, ao lado de exames laboratoriais e testes genéticos, a análise do seu microbioma, e o tratamento pode vir na forma de uma cápsula simbiótica, adaptada às suas necessidades únicas, para restaurar o equilíbrio emocional de dentro para fora, literalmente.

Talvez, em poucos anos, não seja mais estranho ouvir de um médico: “Vamos analisar seu intestino antes de definir o tratamento para sua ansiedade ou de sua inflamação”. O corpo humano sempre nos deu sinais, e só agora estamos começando a escutá-los de forma integrada, inteligente, e profundamente humana.

Referências:

AHN, J. et al. Advances in Microencapsulation of Probiotics: Materials, Techniques, and Applications. Nanomaterials, v. 12, n. 9, 2022. ANVISA. Instrução Normativa nº 76, de 27 de novembro de 2020. BRAVO, J. A. et al. Ingestion of Lactobacillus strain regulates emotional behavior and central GABA receptor expression. PNAS, v. 108, n. 38, p. 16050–16055, 2011. CRYAN, J. F.; DINAN, T. G. Mind-altering microorganisms: the impact of the gut microbiota on brain and behaviour. Nature Reviews Neuroscience, v. 13, p. 701–712, 2012. DINAN, T. G. et al. Psychobiotics: a novel class of psychotropic. Biol Psychiatry, v. 74, n. 10, p. 720-726, 2013. Guimaraes, D.O. et al, Clinical Report on K11-Tmax Probiotic Mix in Children with ASD. Internal publication, 2024. HOOPER, L. V. et al. Microbiota-targeted therapies: an ecological perspective. Science, v. 376, n. 6592, p. 844-851, 2022. HUANG, R. et al. Effects of Bifidobacterium breve on Cortisol and Sleep Quality in Adults Under Stress. Nutrients, v. 15, n. 3, 2023. KRASNOW, M.; RAO, S. Smart Probiotic Delivery Systems: Applications of Nanotechnology. Trends in Biotechnology, v. 41, n. 2, 2023. MCCABE, C. et al. The Role of Probiotics in Managing Depression: A Review of Clinical Trials. Frontiers in Psychiatry, v. 11, 2020 MIYANISHI, M. et al. Effects of Probiotics on Depressive Symptoms in Patients with MDD. Journal of Psychiatric Research, v. 131, p. 1–8, 2020. SANDBERG, L. et al. Gut Microbiota and Autism: A Systematic Review. Autism Research, v. 14, n. 8, 2021. YANO, J. M.
et al. Indigenous bacteria from the gut microbiota regulate host serotonin biosynthesis. Cell, v. 161, p. 264–276, 2015.

*Pesquisador e Diretor de pesquisa da Gon1 Biotech
Doutor Honoris Causa em Biotecnologia aplicada em saúde
Doutorando em gestão e tecnologia industrial: desenvolvimento de novos produtos

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