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Você é mais bactéria do que gente?
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Você é mais bactéria do que gente? 4g1z4b

Por Dr. Deivis O. Guimarães* zjo

Nesse artigo vou abordar uma reflexão de microbiologia, que pode nos mostrar um pouco mais sobre o que realmente acontece conosco, que vai muito além do que se vê, e como microrganismos moldam nossa saúde e nossas doenças!

Somos mais do que pensamos

Quando nos olhamos no espelho, o que enxergamos? Uma imagem humana, completa e aparentemente autônoma, mas a verdade é que somos, em grande parte, um ecossistema ambulante. Nossa aparência esconde uma verdade biológica fascinante: somos formados por mais células microbianas do que humanas. Estima-se que um corpo adulto possa abrigar cerca de 30 trilhões de células humanas, e aproximadamente 39 trilhões de células de bactérias, fungos, vírus e arqueias que convivem conosco em um complexo e dinâmico sistema chamado microbiota (SENDER et al., 2016).

Esses micro-organismos não são invasores, pelo contrário, são nossos aliados mais antigos e fiéis, com quem evoluímos ao longo de milhões de anos. Habitantes do intestino, da pele, da boca, do trato respiratório e urogenital, eles desempenham papéis vitais em processos como a digestão, a produção de vitaminas, a regulação do sistema imunológico e até a saúde mental. A ciência moderna tem revelado que muitas doenças não são, em sua origem, falhas humanas isoladas, mas desequilíbrios ecológicos internos.

Se olharmos além do corpo como uma máquina e o entendermos como um ecossistema, percebemos que os sintomas de doença são, na verdade, sinais de que esse ecossistema perdeu sua harmonia, e são como alarmes soando diante de um incêndio invisível. Dores crônicas, distúrbios de humor, inflamações recorrentes, ganho de peso resistente a dietas, alergias persistentes, fadiga inexplicada… todos esses quadros podem ser lidos como manifestações periféricas de um problema central: a disbiose, ou o desequilíbrio da microbiota.

O conceito de que “a saúde começa pelo intestino” deixou de ser apenas um ditado popular para se tornar uma hipótese científica robusta, sustentada por dezenas de estudos clínicos, revisões sistemáticas e metanálises. A compreensão de que bactérias, vírus e fungos comensais podem ser protagonistas da prevenção ou da origem de doenças crônicas mudou radicalmente nossa visão sobre a medicina preventiva.

O desequilíbrio: doenças causadas ou agravadas pela disbiose

A disbiose, nome dado à alteração quantitativa ou qualitativa da microbiota, tem sido associada a uma série de doenças, algumas crônicas e complexas, e o que surpreende é que, em muitos casos, tratar o microambiente intestinal pode significar tratar a doença em si.

Aqui estão alguns exemplos reais e com evidências científicas:

  1. Síndrome do Intestino Irritável (SII): Estudos demonstram que pacientes com SII apresentam uma microbiota intestinal alterada. Terapias com probióticos específicos ou transplante fecal já mostraram melhoras significativas nos sintomas (MALINEN et al., 2010).

  2. Doença de Parkinson: Pesquisas revelam que alterações na microbiota precedem os sintomas motores e que a inflamação intestinal pode agravar a neurodegeneração. Probióticos e estratégias de modulação da microbiota têm sido exploradas com resultados promissores (SCHEPERJANS et al., 2015).
  1. Obesidade e Síndrome Metabólica: A composição da microbiota intestinal pode influenciar a absorção de nutrientes, o armazenamento de gordura e a resistência à insulina. Intervenções dietéticas e o uso de prebrióticos têm demonstrado impacto direto no controle do peso (TURNBAUGH et al., 2006).

  2. Autismo (TEA): Crianças com TEA frequentemente apresentam distúrbios gastrointestinais e uma microbiota intestinal alterada. Um estudo randomizado recente com probióticos encapsulados demonstrou melhoras comportamentais e cognitivas significativas (SANDBANK et al., 2022). Uma das maiores pesquisas do mundo no segmento, realizada no Brasil em 2024, conseguiu comprovar a melhoria de aspectos gastrointestinais, cognitivos e motores baseado na modulação intestinal por meio do uso de um mix probiótico, comprovando mais uma vez a relação intestino-cérebro com sintomas manifestados no TEA (GUIMARAES et al,. 2024).

  3. Dermatite Atópica: A disbiose cutânea, especialmente com supercrescimento de Staphylococcus aureus, está associada a surtos inflamatórios. O uso de probióticos tópicos e orais tem sido testado como terapia coadjuvante com bons resultados clínicos (KOBAYASHI et al., 2015).

  4. Ansiedade e Depressão: A chamada “psiquiatria nutricional” ganhou força com a descoberta de que bactérias intestinais produzem neurotransmissores como serotonina e GABA. Ensaios clínicos têm mostrado que alguns probióticos podem reduzir sintomas ansiosos e depressivos, funcionando como verdadeiros “psicobióticos” (DINAN et al., 2013).

Sintomas são alertas, não inimigos

A medicina tradicional tem um histórico de focar no sintoma, como dores, inflamações, distúrbios comportamentais que são vistos como problemas a serem “calados” por medicamentos, no entanto, suprimir sintomas sem investigar a raiz do desequilíbrio é como pintar as paredes de uma casa enquanto o alicerce desmorona.

Febres que voltam, dores que não somem, cansaços que não am, alergias que não cessam… Todos esses sinais são o corpo dizendo que algo está errado, são como a luz do “check engine” do carro, e ignorar ou mascarar essas manifestações com remédios sintomáticos pode levar a quadros crônicos e desfechos mais graves.

A nova fronteira da medicina integrativa, funcional e personalizada entende o ser humano como um sistema interconectado. E a microbiota é uma peça-chave nesse quebra-cabeça, e restabelecer o equilíbrio microbiano não é um capricho alternativo, mas uma estratégia de tratamento profundamente embasada em ciência.

A revolução já começou

Pesquisas em andamento ao redor do mundo estão mapeando o “metagenoma humano”, o conjunto de genes dos nossos micro-organismos. Já se sabe, por exemplo, que o genoma da microbiota é 150 vezes maior que o nosso (QIN et al., 2010), em outras palavras: estamos apenas começando a entender o poder de quem nos habita.

Promover o equilíbrio microbiano, portanto, não é apenas cuidar do intestino, mas cuidar da totalidade do ser., e na medicina do futuro, o paciente que chega com depressão poderá sair com um plano alimentar. O que sofre de dermatite, com um ajuste no eixo intestino-pele. O obeso, com um novo microbioma e novos hábitos.

Porque o que nos adoece muitas vezes não é falta de remédio, mas falta de harmonia!

Referências bibliográficas

SENDER, R.; FUCHS, S.; MILO, R. Revised estimates for the number of human and bacteria cells in the body. PLOS Biology, v. 14, n. 8, e1002533, 2016. MALINEN, E. et al. Analysis of the fecal microbiota of irritable bowel syndrome patients and healthy controls with real-time PCR. American Journal of Gastroenterology, v. 105, p. 2530–2541, GUIMARAES, D.O. et al., Clinical Report on K11-Tmax Probiotic Mix in Children with ASD. Internal publication Gon1 biotech, 2024. SCHEPERJANS, F. et al. Gut microbiota are related to Parkinson’s disease and clinical phenotype. Movement Disorders, v. 30, p. 350–358, 2015. TURNBAUGH, P. J. et al. An obesity-associated gut microbiome with increased capacity for energy harvest. Nature, v. 444, p. 1027–1031, SANDBANK, A. et al. Probiotic treatment of children with autism: A randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Autism Research, v. 15, n. 4, p. 629–641, 2022. KOBAYASHI, T. et al. Dysbiosis and Staphylococcus aureus colonization drives inflammation in atopic dermatitis. Immunity, v. 42, n. 4, p. 756-766, 2015. DINAN, T. G.; [
STANTON, C.; CRYAN, J. F. Psychobiotics: a novel class of psychotropic. Biological Psychiatry, v. 74, n. 10, p. 720–726, 2013. QIN, J. et al. A human gut microbial gene catalogue established by metagenomic sequencing. Nature, v. 464, p. 59–65, 2010.

*Pesquisador e Diretor de pesquisa da Gon1 Biotech
Doutor Honoris Causa em Biotecnologia aplicada em saúde
Doutorando em gestão e tecnologia industrial: desenvolvimento de novos produtos

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